O consumo sustentável e a maior valorização da identidade cultural do País abriram espaço para o artesanato no Brasil. Dados do Sebrae mostram que o setor tem atualmente 8,5 milhões de artesãos espalhados por todos os Estados e movimenta em torno de R$ 100 bilhões por ano – o equivalente a 3% do PIB (Produto Interno Bruto). Nesse cenário, a moda e a decoração artesanais caíram no gosto do brasileiro, diz a gestora nacional de artesanato da entidade, Durcelice Mascêne. 3d4x67
De um lado, há uma demanda maior pelo “feito a mão”, que personaliza objetos, peças e órios; de outro, há a preocupação com a origem dos materiais e o tipo de mão de obra usados, já que o consumidor tem um comportamento cada vez mais voltado à produção consciente.
Ela afirma também que as redes sociais foram as grandes responsáveis por conectar o público com artesãos que estão fora dos grandes eixos e capitais, alavancando as vendas. “Quando eles se posicionam no mercado digital, mostrando como e onde as peças são feitas, isso traz um encantamento e uma aproximação para o consumidor”, diz a especialista. “Como consumidor, você expressa e manifesta consciência socioambiental também pela peça que está usando, que foi fruto do trabalho responsável de um artesão.”
Moda sustentável para a diversidade
Na cultura pataxó, Maui é uma semente. Veio daí o nome da marca paulistana Manui Brasil, criada pela estilista Juliana Bastos com a proposta de semear uma moda brasileira consciente e sustentável por meio do trabalho artesanal. Usando fibras e tingimento naturais e um processo manual de estamparia, Juliana produz peças sustentáveis e com uma gama maior de biotipos, considerando a diversidade brasileira.
A estilista conta que a marca foi idealizada no seu TCC da faculdade. Fazendo uma pesquisa sobre fornecedores nacionais para trabalhar a economia local, durabilidade, acabamento em alfaiataria e tingimento natural, ela se encantou pela ideia. “Eu tenho psoríase e descobri que usar pigmentos naturais na confecção das roupas era melhor para a pele, além de ter impacto positivo no meio ambiente. Me apaixonei pela técnica e comecei a fazer primeiro para mim mesma.”
Com seis coleções já lançadas, a Manui usa apenas matérias-primas como fibra de algodão, linho, viscose de origem natural, seda e seda vegana, feita com sobras da folha de abacaxi e caules de rosas. Já os pigmentos são extraídos das mais diferentes fontes do ecossistema brasileiro, como catuaba, barbatimão e crajiru (planta amazônica).
Ela também reaproveita lascas de Pau Brasil descartadas na fabricação de instrumentos musicais (mais de 70% da madeira usada pelos luthiers vira resíduo) e, desde a pandemia, ou a olhar para tudo que tem na cozinha. “Borra de café, casca de cebola e caroço de abacate que iriam para o lixo, por exemplo, dão uma cor linda”, Juliana afirma, acrescentando que, além de vender suas peças próprias, ela oferece workshops de tingimento natural, corte, costura e modelagem e moda sustentável.
Comunidade de bordadeiras
A cidade de Timbaúba dos Batistas, no Rio Grande do Norte, tem pouco mais de 2 mil habitantes. Destes, 800 são bordadeiras – ou seja, um terço da população. O bordado é a principal fonte de renda por lá e a forma como a maioria das mulheres, há 5 anos organizadas na cooperativa Casa das Bordadeiras, sustenta a casa e os filhos. Esse trabalho ganhou os holofotes recentemente, quando a primeira dama Janja usou um vestido bordado pelo coletivo na cerimônia de casamento com o presidente Lula e na posse presidencial, em que ela optou por um conjunto novamente bordado a mão pelas artesãs de Timbaúba.
“É uma tradição familiar que a de mãe para filha, de avó para neta”, conta Valdineide Dantas, conhecida como Patinha, que borda desde os 11 anos e pagou inclusive a faculdade de istração com esse trabalho. Ela diz que a cooperativa foi criada pela prefeitura para ser um ponto de apoio à atividade, com equipamentos para todas as etapas de produção e também espaço para comercialização. O grupo faz enxovais para recém-nascidos, artigos de cama, mesa e banho e se aperfeiçoou em bordado fino para trabalhar com diversos estilistas no País.
Essa foi uma mudança pela qual o bordado ou de 25 anos para cá, segundo Patinha. As peças clássicas ainda têm espaço, mas foi necessário inovar em pontos, técnicas e design para sobreviver no mercado. “Viver de artesanato não é fácil. Você tem de procurar fazer coisas novas para sempre ter um diferencial”, observa. “Cada vestido é único, exclusivo daquela pessoa que escolheu. Ela compra sabendo que a gente faz do jeitinho que ela quer. É um processo todo manual e tudo tem , uma conversa entre a noiva, a estilista e a equipe que desenvolve o design e o bordado.”
Embaixador da tecelagem natural
No caso da cearense Carqueijo Artesanato, fundada no distrito de Mucambo pelo tecelão Gilmar Martins, o pulo do gato foi a guinada que o empreendedor deu a uma tradição de gerações. Ele conta que a família já trabalhava com tecelagem e ele sonhava ter o próprio negócio para gerar empregos na comunidade. Ainda adolescente, participou de cursos do Sebrae na única fábrica de tecelagem da região, onde aprendeu a confeccionar as tradicionais redes de três panos. Aos 17 anos, ou a trabalhar na fábrica como enchedor de espuma, ganhando R$ 70 reais por mês.
O empreendedor se casou pouco tempo depois e, quando a mulher anunciou a primeira gravidez, veio a urgência de dar um salto na vida. “Fui a um sítio do meu avô e catei palhas de bananeira e taliscas de coqueiro. Pedi que a minha mãe colocasse no tear, com a ideia de criar dois modelos de jogos americanos”, recorda. E assim foram feitas suas duas primeiras peças artesanais em fibras naturais. Como o pai costumava viajar até Fortaleza para entregar as redes de três panos no Ceart (Centro de Artesanato do Ceará), ele insistiu para que levasse também seus jogos americanos.
O pai não botou muita fé, segundo Gilmar, mas a ideia vingou. Uma semana depois, o jovem recebeu uma ligação da coordenadora do Ceart, dizendo que as peças tinham sido aprovadas e encomendando mais 300. Hoje a Carqueijo Artesanato emprega mais de 30 pessoas e tem todo um portfólio feito com fibras naturais, indo dos famosos jogos americanos a redes, colchas, tapetes e mais uma série de artigos para casa. Além de vender para clientes diretos, Gilmar abastece lojistas do Brasil todo e é fornecedor da Commtrade (importação e exportação) e de empresas como Natura, Empório La Rioja e Tok Stok, além de ter parceria com plataformas digitais como Casas Bahia, Mercado Livre e Ponto Frio.
Mais do que bem-sucedido, o trabalho do artesão se tornou referência. Graças à sua pesquisa em torno da tecelagem, que é uma das principais fontes de renda locais, ele foi convidado a ser secretário de cultura de Mucambo (de 2017 a 2020), fundou um centro de artesanato e implantou mais de 15 unidades produtivas de tecelagem no Ceará. Espírito empreendedor, determinação e amor pela cultura e pela comunidade são constantes na fala de Gilmar para definir o sucesso da jornada. “No final das contas, o verdadeiro sentido da vida é ser útil ao próximo”, reflete.